quarta-feira, novembro 08, 2006

Alcina Bastos – Uma resistente em tempos de Ditadura

Quando vasculhava o arquivo da Associação 25 de Abril delegação Norte encontrei um pequeno livro com o título “Alcina Bastos” juntamente com uma foto. Fiquei bastante curioso acerca do conteúdo e decidi abrir o livro para saber quem era esta simpática senhora da fotografia. Qual é o meu espanto quando leio que esta desconhecida (para mim) era natural de Fiães e que havia sido uma importante figura política. Rapidamente apaixonei-me pelo pequeno livro e seguidamente pela vida da senhora. Afinal o que é que descobri?
Alcina Bastos foi uma importante advogada que viveu entre 1915 e 1993. Durante grande parte da vida lutou contra o Salazarismo em busca da liberdade política e justiça social. Em 1949 é uma voz activa no apoio à candidatura do general Norton de Matos à presidência da República. A partir deste momento passa a ser alvo de fortes medidas de segurança por parte da PIDE como comprovam os diversos relatos encontrados no arquivo deste organismo. Um deles diz o seguinte: “Esta, de bom porte moral, é desafecta à actual situação política.” Contudo, nunca se deixou afectar por pressões prosseguindo a sua luta pela liberdade. Em 1958 foi o braço direito do general Humberto Delgado, o «general sem medo». Certamente lembram-se do movimento nacional instalado em torno desta candidatura para Presidente da República. Mas voltemos um pouco atrás. Alcina Bastou nasceu em Fiães, numa casa que hoje é o actual infantário pretendido pela junta de freguesia local para museu. Nesta casa brincou, correu e cresceu. Tinha na família os melhores exemplos de lutadores republicanos. O seu maior exemplo era o seu pai que desde sempre lutou contra Salazar. Era inspector escolar e esteve preso no Tarrafal (campo de concentração português, igual aos que os alemães utilizavam com os judeus). Para aperfeiçoar o meu estudo procurei ouvir pessoas que conviveram diariamente com esta família. Um dos relatos diz-nos que “até o bigode arrancaram ao Sr. Inspector!”. Certa vez, a PIDE veio buscar o professor e a população de Fiães revoltou-se, não deixando a polícia levar o Sr. Inspector. “Éramos muitos em volta da casa, mas o Sr. Inspector disse que era melhor para ele e para nós deixarem-no levar.” Noutra ocasião, um polícia apontou uma arma à cabeça de Alcina Bastos para que ela fornecesse informações sobre o pai. Nada contou. Tinha 12 anos. Outro facto curioso é a existência de um esconderijo secreto na casa da família Bastos; quando a PIDE chegava, todos se escondiam.
Alcina Bastos era advogada. Um facto importante para uma mulher nos anos 40. O seu trabalho fez com que tivesse de viver dividida entre a sua terra natal e a sua zona de trabalho. Em 1955 Lisboa passa a ser a sua zona de trabalho mas não se esquece das origens voltando a casa várias vezes. Um dos meus entrevistados, o Sr. Joaquim Croa, em 1971 queria sair do país para trabalhar. Estávamos em período de guerra e iniciava-se a enorme crise financeira da década de 70. Para sair do país era necessária uma autorização especial dos serviços de estrangeiros e fronteiras. Depois de muito tentar o Sr. Joaquim não teve essa autorização e dirigiu-se à Dra. Alcina. Esta só lhe disse: “Você ainda não foi porque não veio ter comigo antes”. Bastou um telefonema da advogada para o Sr. Joaquim ter a autorização. Um ano depois, regressa da Alemanha e encontra a Dra. Alcina no Café Avenida em Fiães e oferece-lhe uma prenda. “Era uma moeda que tinha recebido novinha no banco na Alemanha e era comemorativa dos Jogos Olímpicos de Munique. Como sabia que a Dra. fazia colecção, guardei a moeda. A Dra. fez uma cara de enorme felicidade. Estava muito contente.” É este o melhor relato para definir esta feirense. Andava nas ruas ao lado de Humberto Delgado, lutando contra o Regime Salazarista, ajudando quem lhe pedisse auxílio. Ao mesmo tempo ficava comovida com a oferta de uma simples moeda de 10 marcos, mas que tem um enorme valor sentimental. Viu a sua luta reconhecida em Abril de 74 com a queda da ditadura e foi com extrema justiça que recebeu, a título póstumo, a medalha da Ordem da Liberdade em 1994.

2 Comments:

Anonymous Margarida Mendes said...

Gostava de entrar em contacto consigo a propósito deste assunto.
marg-mendes@hotmail.com

7/8/11 23:50  
Blogger Fernanda Lança said...

Li hoje seu texto sobre Alcina Bastos e, curiosamente, também eu gostaria de entrar em contacto consigo sobre este assunto.

e-mail:lanca-parreira@meo.pt
Fernanda Parreira

16/7/14 20:46  

Enviar um comentário

<< Home