quarta-feira, novembro 15, 2006

D. Álvaro Pereira Forjaz Coutinho – O desconhecido que queria dominar o Condado da Feira

Em 1720, um pseudo conde julga-se capaz de enganar meio reino e decide avançar de peito aberto para o lugar de conde do Condado da Feira inventando a maior mentira de sempre das Terras de Santa Maria. Anselmo Braamcamp Freire no seu trabalho “Brasões da Sala de Sintra” refere-se assim: “Creio não existir entre nós, nem talvez em nenhum outro país, uma colecção mais audaciosa de documentos falsos, com inverosímil ousadia divulgado no livro”. Afinal que tamanha ousadia foi esta? Simples. Tipicamente português, um indivíduo decide contratar dois advogados e um padre, para enganar o Estado. Mas a história não começa aqui. Voltemos um pouco atrás. Depois da restauração da independência em 1640 o monarca D. João IV, com receio de não ser bem aceite pelos poderes locais, perder o poder conquistado pela guerra e também para dar trabalho aos filhos bastardos decide criar uma instituição – Casa do Infantado - sugadora dos bens das famílias poderosas. Aí entre a situação do Condado da Feira.
Em 1700 morre o último conde, D. Fernando Forjaz Pereira e a Casa da Feira fica sem sucessor. Com vontade de ter o resto da vida sem problemas financeiros surge um indivíduo - Álvaro Pereira Forjaz Coutinho – que se auto-denomina legítimo sucessor da Casa da Feira. Ora, em 1720 ainda não havia uma decisão deste processo o que comprova que os problemas de rapidez dos Tribunais não são de agora... Para ser possível comprovar a sua legitimidade, Álvaro Forjaz Coutinho vê-se obrigado a arquivar uma série de provas desde testamentos, a contratos de casamentos. Para isso contrata dois advogados e um padre – frade lóio - que era também seu irmão que certamente adoraria passear as suas insígnias nobiliárquicas.
Aqui começa a história cinematográfica. As provas são todas falsas. Todas inventadas. Um indivíduo foi capaz de arrastar durante mais de 20 anos no Tribunal Real a sua história fantasiosa digna de um conto de fadas. Mas esta era uma mentira numa vida real. Mas a chave desta história não é o Álvaro Pereira Forjaz Coutinho. São sim, os dois advogados - José Correia Barreto e Francisco Vaz Tagarro - e o padre - Pedro da Conceição. São estes que fazem do Álvaro Coutinho um candidato ao extenso e rico Condado da Feira. A minha conclusão, e plenamente justificada, é que são os dois advogados que vão inventar e compilar as provas deixando ao padre a tentativa de fazer passar uma imagem de divino e sagrado. Estes dois advogados frequentaram a Faculdade de Cânones e eram formados em Direito Civil. Um ano antes – 1719 – José Correia Barreto já havia feito uma alegação deste género. “Allegação de direito a favor do excelentíssimo Marquez mordomo-mor, sobre a sucessão do estado da casa de Aveiro. Afinal esta prática era comum pelo país, mas como a do caso feirense jamais existiu.
Das muitas provas apresentadas, ou melhor inventadas, podemos destacar algumas: Carta do rei D. Sebastião; Testamento do Conde Rui Vaz Pereira; contrato de casamento de D. João Pereira; Contrato de casamento de D. João Pereira; Testamento do conde de Marialva Vasco Fernandes Coutinho; Testamento de Lourenço Pires de Tavora; Contrato de Casamento do Conde Rui Pereira. Por este pequeno esboço percebemos que existem documentos para todos os gostos. Desde documentos locais a documentos régios. É impressionante o trabalho realizado pelos advogados porque tiveram imaginação para inventar e falsificar como nunca se tinha visto.
Agora o final desta história pitoresca. As provas não serviram de nada. Esqueceram-se de um pormenor. As datas dos documentos. Alguns testamentos tinham o nascimento dos filhos antes dos pais! Algumas senhoras casavam antes de nascerem! Foi um pormenor que não foi levado em conta pelos advogados, ou talvez tenha sido, mas pensaram que a beleza das palavras, a qualidade do papel e a ignorância do poder central poderiam conferir-lhe toda a legitimidade para assumir a Casa da Feira.
A História serve para perceber o passado, construir o presente e assegurar o futuro. A História de Santa Maria da Feira é importante porque estas não são simples terras plantadas entre Douro e Vouga. Nestas mesmas terras passaram reis, condes, viveram-se séculos com mil e uma histórias e cá estarei para contar algumas delas.