terça-feira, junho 05, 2007

Santa Maria da Feira – Terra onde cresceu Portugal

Quando em 1939-40 Vaz Ferreira escreveu uma série de artigos afirmando que o castelo da Feira e os seus habitantes eram, também, fundadores da nacionalidade, caiu o Carmo e a Trindade no meio historiográfico e político nacional. O investigador feirense baseou-se na Crónica de D. Afonso Henriques de Duarte Galvão, escrita no século XV. Esta crónica afirma que os Castelos de Neiva e da Feira haviam iniciado a revolta contra D. Teresa em 1127, possibilitando um apoio estrategicamente fulcral a Afonso Henriques. A crónica afirma ainda que destes castelos saíram as tropas para a Batalha de S. Mamede a 24 de Junho de 1128. A intenção salazarista de constituir Guimarães como único edificador da nacionalidade era assim contestada em plenas comemorações dos centenários da Fundação da nacionalidade e da Restauração. Ainda hoje somos herdeiros desse mito de que apenas Guimarães (as suas gentes e castelo) são os verdadeiros e únicos fundadores da nacionalidade. A discussão em torno da polémica levantada por Vaz Ferreira durou vários anos e apenas terminou em 1959, quando Rui de Azevedo, especialista da Academia Portuguesa de História, refutou todos os argumentos apresentados pelo feirense, afirmando que o documento tinha um erro ortográfico e que a palavra seria Faria e não Feira. A polémica esteve adormecida até ao final da década de 80, quando José Mattoso (na minha opinião, o melhor historiador português de sempre) veio reacender a discussão afirmando que a teoria era perfeitamente válida. O historiador afirmou que a palavra Faria ou Feira era insignificante e que a presença da expressão “Terras de Santa Maria” era suficiente para provar a localização desse castelo.
O que aconteceu de seguida foi um violentíssimo ataque a José Mattoso por parte de Almeida Fernandes. Esse ataque não se ficou apenas pela crítica científica, chegando às ofensas pessoais. Incompreensivelmente o meio historiográfico nacional e local esqueceu esta teoria sendo muito poucos os artigos e livros escritos sobre este tema.
Apesar de não ser um medievalista, consigo emitir uma opinião sobre este assunto. Sem julgar a importância do Castelo da Feira para a batalha de S. Mamede, posso afirmar convictamente que após esta batalha as Terras de Santa Maria e as suas gentes passam para primeiro plano nacional. Logo em 1128, Ermígio Moniz, senhor dos Riba-Douro, é nomeado mordomo-mor de Afonso Henriques. Outro facto a não esquecer é a posição estratégica de Santa Maria da Feira no Condado Portucalense. O Condado de Coimbra estava constantemente a ser conquistado por muçulmanos e as Terras de Santa Maria eram o único tampão do Condado Portucalense. Nas lendas populares encontramos histórias de paixões entre mouras e cristãos, de conquistas árabes e de reconquistas cristãs. Como dizem os populares "as lendas têm sempre um fundo de verdade". As Terras de Santa Maria permitiram a formação política, social e militar da sociedade portuguesa. Estas terras e gentes garantiram tempo e segurança a D. Afonso Henriques para dominar os perigos internos e promover a diplomacia externa. Da mesma forma auxiliaram o monarca português na conquista de novos territórios estando os infanções das Terras de Santa Maria na linha da frente para todos os combates, lutando lado a lado com Afonso Henriques. Apenas com a conquista de Lisboa em 1147 é que estas terras perderam importância estratégica.
Julgo que, para o comum dos feirenses, não importa se foi no castelo da Feira que surgiram os primeiros revoltosos contra D. Teresa em 1127. Para os feirenses, como para mim, o importante é saber que a nossa história é gloriosa e merece respeito e atenção. Santa Maria da Feira merece a Viagem Medieval, as Ceias Medievais, o Castelo recuperado e a revista Villa da Feira. Não posso afirmar, como José Hermano Saraiva, "Foi aqui, precisamente aqui" que nasceu Portugal, mas posso assegurar convictamente que foi aqui que cresceu Portugal.