quarta-feira, novembro 15, 2006

Memórias paroquiais – O inquérito depois do terramoto

Em 1755 um terrível terramoto assolou Lisboa de forma trágica mas todo o reino foi afectado. As repercussões deste acontecimento trágico atingiram não apenas o sul do país, mas também o centro e norte. Não entrarei aqui nas consequências deste terramoto já que é do senso comum a sequela deste acontecimento. Estabelecendo um paralelismo com a actualidade o terramoto teve as mesmas repercussões do tsunami que assolou a Ásia em 2004. O artigo de hoje tem outro objectivo.
Comentar a acção desenvolvida pelo Marquês de Pombal que pretendia saber quais os efeitos do terramoto em todo o reino. Por isso vai patrocinar o célebre inquérito paroquial de 1758. Estes inquéritos tinham como objectivo perceber como estava o país depois da catástrofe. Mas não foi apenas isso que se fez. Já que se ia realizar o inquérito por todas as freguesias porquê não aproveitar para um grande censo? Este foi o pensamento dos homens forte de Portugal. Existe a teoria que este trabalho já estava a ser realizado antes do terramoto com a edição de um dicionário geográfico, mas eu não relaciono directamente estes acontecimentos. Indirectamente sim já que não podemos esquecer que a historiografia dava os primeiros passos. Jean Mabillon (1642-1707) fundava a diplomática e a paleografia com a esfragística e a cronologia. Outro aspecto importante é a instauração do absolutismo por D. João V (1706-1750). Neste tipo de governação o monarca tem de controlar todo o reino. Sucedeu-lhe o filho D. José I que delegou no Marquês de Pombal o poder. E como todos sabem, este foi impiedoso, dominando o reino com punho de aço. Por isso é normal começarem a surgir estudos geográficos e historiográficos. Já as memórias paroquiais são feitas com outros objectivos. Perceber as consequências do terramoto de 1755 em todo o reino e aproveitando este facto fazer o levantamento geográfico das paróquias (freguesia deriva de paróquia. Freguês era aquele que frequentava a paróquia). Devem estar a questionar-se “Por que razão são os padres a fazer o inquérito?” Tal como hoje, quem melhor do que os padres para saber de tudo e todos…eles tinham acesso a todas as pessoas, lugares e dominavam as letras.
No caso da Feira o inquérito foi preenchido por São Pedro Quintela. Pároco da Vila da Feira. Ele concluiu o inquérito no dia 30 de Abril de 1758. São 60 as perguntas e dividem-se em Geografia, Serra e Rio (Apesar de serras e rios também serem geografia. Por geografia aqui entende-se o número de pessoas, distâncias, características da terra e da paróquia…). Ao segundo ponto o pároco não responde já que não existem serras em Terras da Feira. Estas perguntas e respostas podem ser consultadas no livro lançado recentemente por Roberto Carlos “Memórias Paroquiais de Santa Maria da Feira – 1758”. Um dos aspectos é a toponímia das freguesias da Feira. Como elas mudaram pouco… todas elas começavam pelo nome de um santo. “São Mamede de Guisande; São Martinho de Moselos; Santa Eulália de Sanguedo; Santa Maria de Pigeiros; São Salvador de Fornos da Feira; Santa Maria de Arrifana; São Martinho de Argoncilhe...outro dado curioso é relativo aos produtos agrícolas da Vila. Aqui plantava-se fruta, milho-miúdo, trigo, feijão, centeio e linho. Tinha óptimos campos agrícolas. O correio de Lisboa chegava às sextas-feiras mas no domingo de manhã já partia. A vila era atravessada por um rio e existem 5 pontes e 5 moinhos. No rio existem trutas e bogas. Estes são apenas alguns dados deste inquérito mas destacarei particularmente uma pergunta. Quais as consequências do terramoto de 1755? Na freguesia o terramoto também provocou estragos. Um campanário no castelo foi movido dois palmos da parede, o dormitório do convento sofreu danos e a Misericórdia também sofreu danos, caindo a maior parte da Abóbada.
Como verificamos, o terramoto de 1755 não foi apenas em Lisboa. O terramoto teve as maiores consequências em Lisboa mas por todo o país sentiram-se os efeitos desta catástrofe. Como prova temos as memórias paroquiais de 1758 que são as mais apetrechadas fontes geográficas da Época Moderna.