quarta-feira, janeiro 24, 2007

Festa das Fogaceiras: 501 anos?

No próximo Sábado, as ruas da Feira vão encher-se mais uma vez de curiosos, ansiosos por prestar o voto a S. Sebastião. A Festa das Fogaceiras é das mais antigas de Portugal, mas a dúvida sobre o início do pagamento do voto a S. Sebastião mantém-se. Para a maioria das pessoas a Festa iniciou-se em 1505. Para um historiador esta data deixa imensas dúvidas, principalmente pela não existência de documentos que comprovem o início da romaria.
S. Sebastião é invocado por volta de 680 pelas gentes de Roma para protecção contra uma terrível peste. A partir deste momento, o Santo passa a ser invocado para proteger as vilas e aldeias contra as pestes, que durante a Idade Média fustigaram as populações europeias. Só as pestes sucessivas por volta de 1348 provocaram a morte de pelo menos 1/3 da população europeia. Alguns dos lugares ficaram completamente desabitados e as Terras de Santa Maria não foram excepção. Foi numa destas pestes que as gentes de Santa Maria invocaram S. Sebastião. O pedido foi atendido e foi programado um agradecimento anual com a colaboração dos condes da Feira. Aqui começam as dúvidas. Um guia do Concelho da Feira afirma que a data do início do culto é 1505 sob patrocínio do 2º Conde da Feira, D. Diogo Pereira. Contudo, este só ascendeu a conde no ano de 1515. Outro aspecto que merece reflexão é o Foral Novo que D. Manuel I concede a estas Terras em 1514. No Foral a procissão não é mencionada. Vaz Ferreira, numa das suas obras, dá a entender que a data de 1569 será a mais viável para o início do préstimo. Neste ano a peste foi particularmente devastadora e em Lisboa matou oitenta mil pessoas. Ninguém avança uma data exacta, mas será praticamente certo que o culto não se iniciou antes do século XVI. A tradição de escrever e dizer que a Festa das Fogaceiras teve início em 1505 ganhou força e neste momento é, para a generalidade da população, para a comunicação social e mesmo para alguns historiadores, um facto consumado. Felizmente, são vários os historiadores feirenses, com uma sensibilidade incrível para a História Medieval que estão no caminho certo para desmistificar especulações que invadiram a historiografia. Peço aos leitores para estarem atentos e apoiarem os novos historiadores, com escola.
Outra das ideias criadas com a Festa das Fogaceiras é a de que a fogaça teve origem com o cumprimento do voto. A fogaça vem do latim focacia, que significa pão cozido debaixo de cinza quente. Na enciclopédia Luso-Brasileira o uso destes bolos data do tempo dos romanos. Seriam pequenos pães, redondos e chatos cozidos sobre as cinzas. Para além disto, durante a Idade Média, fogaça significava o foro pago aos Senhores feudais. Este foro poderia ser em dinheiro ou géneros (galinhas, cereais ou vinho). Contudo isto não significa que a fogaça não seja um doce típico de Santa Maria da Feira. Felizmente a fogaça tem uma confraria para preservar a sua qualidade e a tradição na sua confecção. Faço aqui um apelo para que todos os produtores de fogaça respeitem a tradição e a confecção do delicioso bolo. Seria também importante, estes produtores alistarem-se na Confraria da Fogaça para preservar a qualidade e melhorar o comércio da doçaria tradicional feirense.
Neste artigo tentei não escrever o que todos já sabem. Tentei atirar a primeira pedra em busca da verdade. Todos sabemos a importância que tem dizer que temos uma festa com mais de 500 anos e apenas com uma interrupção na sua história. Mais importante seria provar a origem do cortejo mesmo que isso custasse alguns anos de existência.