quarta-feira, novembro 15, 2006

Misericórdia da Feira – um porto de abrigo desde o século XVI

Os portugueses sempre foram conhecidos como um povo hospitaleiro e principalmente caridoso, por isso não é de estranhar que na Época Medieval a caridade para com os mais fracos fosse já uma realidade. Quando em 1498 foi fundada a Misericórdia de Lisboa já muitas confrarias, irmandades e corporações haviam sido criadas para ajudar os necessitados e a Misericórdia é apenas mais uma dessas instituições. A Misericórdia da Feira surge nesta onda de ajuda ao próximo iniciada por D. Leonor, esposa de D. João II. Para além da criação das Misericórdias outros portos de abrigo foram fundados como os conventos da Madre de Deus e o da Anunciação. Entre 1498 e a morte de D. Leonor (1525) existiu um boom de Misericórdias em Portugal, mas ainda não é nesta fase que é criada a Misericórdia da Feira. Descobrir o ano exacto da fundação tem sido uma tarefa complicada. Vaz Ferreira, figura ilustre destas terras, em 1946 afirma que o ano de fundação é 1594. A sua justificação é uma série de algarismos, 1594, que aparece numa folha isolada num documento da Misericórdia. Este documento isolado não serve para afirmar que isso representa a data da fundação da Misericórdia. Pode muito bem ser a data de qualquer evento da Confraria. Vaz Ferreira também o sabia e vai tentar justificar a sua teoria com outro documento datado de 1654 encontrado no Livro dos Estatutos de 1756. Mais uma vez este documento não pode provar nada porque o documento é redigido 60 anos depois da data sugerida como ano de fundação. Francisco Ribeiro da Silva, na sua obra “A Misericórdia de Santa Maria da Feira” diz que apesar de ser um tiro no escuro, a intuição de Vaz Ferreira foi feliz. Na pesquisa na Torre do Tombo de Ribeiro da Silva foi encontrado um documento de 18 de Novembro de 1594 que concede à Misericórdia da Feira os privilégios da de Lisboa. O que podemos afirmar é que pelo menos nesta data a Misericórdia da Feira já existia. Mas desde quando? Não se sabe. Um dado importante, antes da Misericórdia da Feira já existia uma confraria pelo menos de 1567 com objectivos semelhantes e que se situa na ermida de Nossa Senhora do Campo. A Misericórdia vai aproveitar as bases lançadas para se fixar na Vila.
Com a documentação existente na Misericórdia podem ser apresentados alguns dados curiosos. Os aderentes da confraria eram chamados de Irmão e existiam os de Maior e os de Menor condição. Os de Maior condição eram nobres locais, funcionários administrativos e padres. Os de Menor condição eram lavradores e mercadores. Estes tinham de se sujeitar a trabalhos que os de Maior condição estavam livres. Para ser Irmão haviam pré-requisitos que tinham de ser cumpridos. Por exemplo, tinham de viver na Vila, terem mais de 25 anos e não podiam ter cometido crimes infames. Ser mulher não significava ficar afastado da Misericórdia. A Condessa da Feira Dona Joana Forjaz Pereira Meneses e Silva até Provedora foi da Misericórdia! Em pleno século XVII este é um aspecto que merece relevo. Não era caso único, mas mesmo assim avançado para a época. Outro dado importante é a variação do local de residência dos Irmãos entre 1689 e 1721. Na primeira data, dos 64 novos Irmãos 21 eram da Vila da Feira e os restantes das vilas vizinhas. Já na segunda data o panorama mudou, já que o condado estava sob o domínio da Casa do Infantado e o poder central tinha de se impor. Assim, dos 41 novos Irmãos, 36 eram da vila da Feira e os restantes das vilas vizinhas. Os Irmãos podiam ser expulsos e apresento aqui algumas das causas que levariam à expulsão: Ser culpado de suborno nas eleições, rejeitar cargos, faltar mais de 3 vezes a funerais de Irmãos, eleições ou «desflorar» donzelas. Sempre que eram convidados para um cargo a aceitação era obrigatória, tal como a presença em acontecimentos especiais.
Quais os objectivos da instituição? A função principal era socorrer pobres, doentes e aleijados com comida, esmola e visitas domiciliárias. A misericórdia tinha um pequeno hospital para onde iam os aleijados e doentes. Os hospitais eram só para pobres. Os ricos eram tratados em casa. Também os mortos eram ajudados já que os Irmãos eram enterrados na Misericórdia e realizavam-se missas. Para a História de Santa Maria da Feira é fundamental o papel desempenhado pela Misericórdia. Durante longos anos este foi um ponto de passagem não só das elites sociais como dos mais pobres do Condado.