Foi com enorme satisfação que verifiquei que a Junta de freguesia de Nogueira da Regedoura estava a preparar uma mega homenagem a um dos seus ilustres, o Dr. Carlos Ferreira Soares, barbaramente assassinado pelo Regime Salazarista a 4 de Julho de 1942. Este artigo tem por base a Monografia de Nogueira da Regedoura, que gentilmente me foi oferecida pelo Presidente da freguesia local, Dr. Henrique Ferreira, que esteve sempre disponível para ajudar na elaboração deste artigo. O meu obrigado.
O Dr. Carlos Ferreira Soares nasceu no dia 5 de Fevereiro de 1903 em Viana de Castelo, no seio de uma família distinta.
Quis o destino que o “Dr. Prata” (como era conhecido pelos populares) vivesse num período marcado pela limitação da liberdade. Médico de formação, as suas qualidades transcendiam a do simples terapeuta que tratava os doentes. A sua vontade de liberdade e capacidade de escrita encaminham-no para a Revista Seara Nova, principal meio de divulgação das ideias anti-salazaristas. A 22 de Setembro de 1936 assume-se finalmente como lutador pela liberdade. Certamente foi uma decisão extremamente reflectida, já que as consequências desta decisão eram terríveis. A partir deste momento passa a ser alvo de perseguição e a clandestinidade é a única solução. Viver na clandestinidade significa perder a família, o nome, a casa e a tranquilidade. Nestes primeiros anos de ditadura, a perseguição a opositores do regime é tremenda. Todos os que expressam opiniões divergentes das de Salazar são condenado à prisão e mesmo à morte. Os seus esconderijos favoritos localizavam-se na freguesia que o viu crescer como Homem de ideais democráticos. Um dos locais era a Igreja da freguesia. O pároco Abel escondia o amigo. Este é um aspecto interessante já que a Igreja Católica era um dos bastiões do Salazarismo, mas as relações pessoais são sempre mais importantes do que qualquer regime político. Como comprova a investigação de Felícia Cabrita, o próprio Salazar deixa de acreditar na Igreja e apenas usa a fé católica como pilar do seu poder pessoal. Outro dos locais predilectos de refúgio era a Japoneira do cemitério de Nogueira. O “Dr. Prata” tinha o dom da palavra. Numa manhã de Fevereiro de 1940, no funeral de uma jovem de 22 anos, o Dr. Carlos Ferreira Soares provoca um sentimento de revolta nos populares. As lágrimas e os aplausos misturam-se quando o Senhor doutor explica que as razões da morte desta jovem. A fome e a miséria que este regime implementou às populações mais desfavorecidas. Quando a Polícia política chega já o “Dr. Prata” tinha fugido.
Mesmo na clandestinidade o médico prestava apoio às populações. Era médico na Associação Fúnebre de Socorros Mútuos de Grijó e fornecia medicamentos gratuitos. Esta vontade de ajudar levou-o à morte. Os seus disfarces duravam pouco tempo. Certa noite, dois agentes disfarçados de vendedores de cera aparecem numa mercearia vizinha da Associação. Questionam um jovem, que por lá estava, sobre os médicos que prestavam serviço na Colectividade e conseguem todas as informações que necessitavam.
Poucos dias depois, seis agentes estavam, ingenuamente, nas imediações da Associação. Tanta gente desconhecida numa terra pequena levantou suspeitas e rapidamente a população percebeu o que se estava a passar. O Dr. Carlos refugia-se rapidamente na casa mais próxima. Não teve a mesma sorte no dia 2 de Julho de 1942. Foi morto com vários tiros de metralhadora à queima-roupa. O próprio Salazar estava a par desta situação. Em carta trocada com Marcelo Caetano comenta a morte de “um comunista”.
A Japoneira foi cortada. Nogueira da Regedoura estava de luto. A rede da Polícia Secreta funcionou outra vez. Mais um lutador pela liberdade se calava às mãos do Regime Salazarista. Muitos outros haveriam de morrer. Nos próximos tempos sairá um livro bastante completo sobre a vida deste lutador escrito pelo Dr. Armando Silva, co-autor da Monografia de Nogueira da Regedoura. O mais grotesco nisto tudo é que ainda existem portugueses (e muitos) que votam em Salazar como o maior português de sempre.